23 de dez. de 2010

De volta

- Na verdade, você não me quer de volta.

Foi preciso todo esse tempo pra reunir os joelhos e organizar o prumo. "Ela está certa" pensou numa voz interna que se tivesse som traria uma entonação pra variar.

"Eu não te quero de volta. Eu quero de volta quem eu era do teu lado."

20 de dez. de 2010

Eu te quero

Eu sempre te quis. Não te amo mais, não quero mais morar ao seu lado. Mas eu sempre vou te querer. Você não entendeu isso. Fez sentido. Mas não mudou em nada isso. Você me chamou de canalha. Depois se arrependeu, me trouxe ao nível de leviano. Meses depois, imaturo. Hoje você diz que sou apenas efêmero, deliciosamente efêmero. Eu desci na escada das suas gradações masculinas como um menino arteiro. Eu nunca te contei, mas cai muitas vezes entre esses degraus. Acha que meu joelho não pegou sangue quando fui de canalha a leviano? O sangue não obedece o tempo, só o coração. Sempre que te encontro, repito nosso mantra: Eu te quero. Você sorri. Quando está solteira, você cede. Quando está comprometida, você cede mais ainda, mesmo não voltando pra casa comigo. Foram anos dessa sua narrativa de mim. Essa minha covardia poética. Esse deslumbre tímido. Por dentro, sempre me orgulhei por ser alguém tão pequeno e feio e conseguir dispender tanta energia tua. E de algumas outras, antes. Algumas outras depois. Mas só a tua energia me trouxe luz. Eu não te amo mais é o novo Te amo para sempre. Eu não te amo mais, porque seria impossível. Se fosse possível, te juro, falaria apenas: Não consigo te amar menos. E talvez você entendesse meu recado. Eu te quero. No meu mundo isso é mais romântico do que qualquer carta prolixa que eu te escreva. Ou qualquer dança em plena rua, com sussurros passionais no seu ouvido esquerdo. Internamente, eu decidi que o seu ouvido esquerdo seria o desleixado. Aquele que receberia sem discernimento o que me desse vontade. O ouvido direito receberia sempre algo que tivesse passado por muito pensamento, cuidado, reflexão. Durante todo esse tempo, eu só te disse uma coisa no seu ouvido direito.

Eu te quero.

Mas eu não te amo mais. E me despeço subindo a rua dos cinemas de pessoas inteligentes, desviando de toda sorte de gente, com azar para tropeçar em minha própria trajetória. Quando eu não estiver mais aqui, peça uma bebida que você nunca experimentou e lembre-se de mim com carinho. Lembre-se que eu sempre te quis. Depois, jogue isso em algum vão da memória e faça como você sempre fez: me observe com esse olhar incapaz de se aproximar.

E assim segue, o homem-menino regido por suas motivações preciosas, mas tropeçando na inércia da sua masculinidade.

Eu não te amo mais. Nunca e mais.

12 de dez. de 2010

Nome errado

Ela passou a noite inteira tentando chamar minha atenção. Mas estava chamando pelo nome errado.

7 de dez. de 2010

Isso

Ao invés de lembrar, minha memória cria.

Estéril

Essa felicidade que vem logo depois da tristeza, como um suspiro, um susto, um grito, é uma felicidade estéril. É legal, mas não se reproduz.

5 de dez. de 2010

De existir

Antes de ir embora, eu toquei sua mão como um adolescente que encosta o dedinho na mão amada no escuro do cinema torcendo para que ela não desencoste. Se ela deixasse, sinal verdade. A permanência, ainda que completamente imóvel, era a mais vigorosa declaração de amor.

Ela me olhou bem fundo e durante aquela que foi sua única frase na noite, o toque se tornou um carinho afetuoso. Ela disse com a convicção de quem não tem nada a perder, sede de tudo ganhar.

- Eu nunca desisto do que ainda não existe.

4 de dez. de 2010

Epifania na TV

"Estamos todos presos do lado de fora de um abraço.
Cada um de nós ouviu de uma mulher diferente:
Vai viver a sua vida!
Vai viver a sua vida: pena de liberdade perpétua."

Luiz Fernando Carvalho possui um trabalho baseado profundamente em duas palavras: afeto e rigor. De maneira leviana, em outras constituições semânticas, pode-se pensar um leve conflito. Mas em Luiz não há. No cinema e na TV - mesmo na epóca de suas novelas - tem sido o trabalho dele o que mais tem pautado minhas aspirações, meus encantos e minhas inquietudes nesse tear audiovisual.

Michel Melamed é um enfant terrible. Tomou as rédeas da sua carreira e disse: eu quero ser um cavalo selvagem. Livre. E selvagem. Poeta, ator, criador.

Uma reunião de clichês amorosos, reunidas em espasmos de experiências falidas e romances idealizados - em ambos universos masculino e feminino - numa coreografia poética e debochada. Tudo isso com vigor, encanto e dor. Num percurso que não visa responder de maneira alguma a provocação do seu título. É como se a série fosse, como um todo, um grande personagem mergulhado nesse caminho de viver e se conectar com o outro.

Afinal, o que querem as mulheres?

3 de dez. de 2010

A noite e a mulher

A noite/1
Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.

A noite/2
Eu adormeço às margens de uma mulher: eu adormeço às margens de um abismo.

A noite/3
Eles são dois por engano. A noite corrige.

A noite/4
Solto-me do abraço, saio às ruas.
No céu, já clareando, desenha-se, finita, a lua.
A lua tem duas noites de idade.
Eu, uma.


Eduardo Galeano

1 de dez. de 2010

A vida

Essa não era a vida que ele esperava.

Demorou um bom tempo para entender que esse tinha sido problema: ele ficou esperando.

Jiraya

Eu nunca soube lidar direito com a admiração que meu avô depositava em mim. Não era uma coisa boba de avô. Ele enxergava o que eu podia ser. Eu tinha 7 anos e estava profundamente convencido que eu podia me tornar o discípulo de Jiraya na Bahia. Em Jequié, no sítio dele, um belo dia, peguei um facão e sai obstinado para provar todo meu talento. Decepei metade de uma plantação de mamona. Com golpes que dariam orgulho ao próprio Jiraya. A adrenalina tinha me embebedado e perdi a noção do estrago. O caseiro descobriu, me deu uma primeira e tímida bronca. Lembro de seguir numa fila de broncas. Ela foi aumentando. Minha avó balançava a cabeça e berrava de um jeito que enfim, eu percebi rapidamente a gravidade do que tinha feito.

Depois de todo aquele julgamento severo, minha respiração angustiada, me afastei e me encolhi. Alguns instantes depois, meu avô chegou perto de mim. E me olhou com aquele olhar impossível de descrever e me perguntou:

- Por quê você fez isso?
- Porque eu vou ser o jiraya - respondi.

E nesse momento, minha infância foi decepeada em duas metades. Antes e depois. Ele simplesmente respondeu:

- Mas você tem que ser Jiraya do portão pra fora. Aqui dentro você finge que é meu neto.

Eu vou passar o resto da minha vida tentando ser uma pessoa melhor por causa daquele olhar do meu avô. Mesmo ele não estando mais aqui, de corpo presente, minha memória está tatuada com aquele olhar. E lidando com essa angústia de ver o tempo passando e perceber que eu continuo distante da direção que aquele olhar apontava.