O homem mais sincero que conheci em nenhum momento admitiu verbalmente que povoara minha infância com um certo tipo de fantasia e invenção que, em visão mais cética, poderiamos chamar de mentiras. Esse homem entendia a sinceridade como uma relação de amor e respeito com o que dizia - suas memórias inventadas, ficcionadas, porém retratadas ao seu interlocutor atento e diminuto com o carisma da veracidade. Assim, até mesmo como entende o próprio Houaiss em sua definição, o que ele entendia por sincero era uma maneira de exprimir aquelas histórias "sem o artíficio nem a intenção de enganar ou de disfarçar algum pensamento ou sentimento". Minha formação primordial no universo da criação foi justamente por esse caminho - o avô, o homem sábio que descontraidamente trafegava pela paternidade de maneira irresponsável, podendo chegar ao âmbito da amizade e cumplicidade com destreza e facilidade.
Quando meu acesso aos códigos verbais se deu, e, posteriormente, meu fascínio pelas possibilidades inventivas que poderiam surgir a partir do meu mínimo domínio sobre aquela linguagem escrita, minha reação foi de profundo êxtase e certa familiaridade. Ao inventar seu passado, e me contar suas peripécias pelo sudoeste árido baiano, meu avô estava me ensinando uma literatura cheia de saliva. Nossos diálogos - com ou sem palavras - ganharam um novo valor depois que li Guimarães Rosa. Olha aqui, grafado com a magia da língua escrita, aquela poesia torta que nos animava junto ao álcool fluído de nossos copos. Nossos corpos.
Quando meu acesso aos códigos verbais se deu, e, posteriormente, meu fascínio pelas possibilidades inventivas que poderiam surgir a partir do meu mínimo domínio sobre aquela linguagem escrita, minha reação foi de profundo êxtase e certa familiaridade. Ao inventar seu passado, e me contar suas peripécias pelo sudoeste árido baiano, meu avô estava me ensinando uma literatura cheia de saliva. Nossos diálogos - com ou sem palavras - ganharam um novo valor depois que li Guimarães Rosa. Olha aqui, grafado com a magia da língua escrita, aquela poesia torta que nos animava junto ao álcool fluído de nossos copos. Nossos corpos.
Gosto de anotar o motivo, cada vez que me lembro de meu avô. Mesmo depois de morto (ou como diziamos, "depois de ido"), ele ainda é a minha maior frequência literária. O motivo de hoje foi Mia Couto. É impressionante como o avô mariano de "Um Rio chamado tempo, uma casa chamada terra" o traduz. Meu avô inventava histórias de um passado que não existiu, assim, de fato, existindo somente na palavra. Eu continuo a inventar histórias de um avô que não existe mais, assim, de fato, existindo somente na minha memória.
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