Meus dedos e meus olhos vieram primeiro. Tive notícia que meus olhos levaram anos até que o resto da cabeça realmente iniciasse funcionamento. Foram anos de plena loucura das sensações – olhar e não precisar pensar é uma espécie de dialeto íntimo com a luz. Ou, para os mais crédulos, com Deus. Os dedos demoraram muito mais tempo, pois algo nos braços impedia o envio para a cabeça. Eu já tinha plena consciência das coisas do mundo e ainda tinha os dedos desprovidos de razão. Lembro que sentava em cima dos meus pés para ficarem formigando e assim, conseguia que os dedos dos pés pudessem brincar com os das mãos. Sentir o mundo com os dedos sem precisar avisar a cabeça deu uma autonomia espantosa para eles. Mesmo hoje, com a cabeça interferindo, ainda percebo que essa autonomia foi preservada. A delicadeza com que meus dedos decidem o que vai pra cabeça e o que irá ficar na própria pele me surpreende.
Um homem branco chegou a me diagnosticar de doença. Meu avô sempre não gostou das mansões dos homens brancos. Dizia: hospital é um perigo, onde mais se morre gente nesse mundo. O homem branco apertou meus dedos. Pediu radiografias. Observou meus olhos pelas lentes de aparelhos e analisou cada pequena veia saltada na bola branca. O homem branco tinha certeza da minha doença, mas com um tom cauteloso de quem sabe das coisas, disse que prefere consultar novas opiniões e rever os exames para me assegurar o nome da doença. A notícia da doença quando não vem acompanhada do nome é uma desgraça sem tamanho: é como ver alguém amado sofrendo e não saber o nome do motivo.
Não posso mentir que quando pequeno cheguei a pensar também em doença. Não tanto para os meus dedos, mas principalmente para meus olhos. Quando criança, é uma loucura muito grande essa possibilidade de olhar sem precisar pensar. Era sempre um esforço sair dos meus olhos para fazer amigos do lado de fora. Lembro que me cansava mais sair do que jogar bola. Já chegava na quadra meio cansado, mas ao mesmo tempo com uma áurea encantada. Virei, não por acaso, afetivo dos gols.
Não vou retornar ao homem branco. Me permiti uma vez e ele não foi convincente. Eu nunca presenciei meu avô numa mansão de homens brancos. A gente não acredita em coincidências, e talvez por isso sempre calhava algum desajuste de agendas, tempos e frescuras modernas. Meu avô, como outros tantos no mundo, morreu em uma dessas mansões. Tive a notícia. Pouco tempo antes, quando lhe contei o segredo dos meus olhos e dedos, ele sorriu feliz. E disse assim: no meu caso, veio primeiro a boca e o nariz. O nariz eu já desconfiava, porque realmente ele antecipava Jequié inteira com aquele narigão.
Ele deu mais um sorriso. Pensou algo. Disse que juntando com um futuro de mim ainda poderíamos formar um homem inteiro feito dessas partes antecipadas.
A boca do meu avô tinha um hálito de álcool. E ele insistia em me dizer que esse era o cheiro das coisas que não precisavam de razão.
Um homem branco chegou a me diagnosticar de doença. Meu avô sempre não gostou das mansões dos homens brancos. Dizia: hospital é um perigo, onde mais se morre gente nesse mundo. O homem branco apertou meus dedos. Pediu radiografias. Observou meus olhos pelas lentes de aparelhos e analisou cada pequena veia saltada na bola branca. O homem branco tinha certeza da minha doença, mas com um tom cauteloso de quem sabe das coisas, disse que prefere consultar novas opiniões e rever os exames para me assegurar o nome da doença. A notícia da doença quando não vem acompanhada do nome é uma desgraça sem tamanho: é como ver alguém amado sofrendo e não saber o nome do motivo.
Não posso mentir que quando pequeno cheguei a pensar também em doença. Não tanto para os meus dedos, mas principalmente para meus olhos. Quando criança, é uma loucura muito grande essa possibilidade de olhar sem precisar pensar. Era sempre um esforço sair dos meus olhos para fazer amigos do lado de fora. Lembro que me cansava mais sair do que jogar bola. Já chegava na quadra meio cansado, mas ao mesmo tempo com uma áurea encantada. Virei, não por acaso, afetivo dos gols.
Não vou retornar ao homem branco. Me permiti uma vez e ele não foi convincente. Eu nunca presenciei meu avô numa mansão de homens brancos. A gente não acredita em coincidências, e talvez por isso sempre calhava algum desajuste de agendas, tempos e frescuras modernas. Meu avô, como outros tantos no mundo, morreu em uma dessas mansões. Tive a notícia. Pouco tempo antes, quando lhe contei o segredo dos meus olhos e dedos, ele sorriu feliz. E disse assim: no meu caso, veio primeiro a boca e o nariz. O nariz eu já desconfiava, porque realmente ele antecipava Jequié inteira com aquele narigão.
Ele deu mais um sorriso. Pensou algo. Disse que juntando com um futuro de mim ainda poderíamos formar um homem inteiro feito dessas partes antecipadas.
A boca do meu avô tinha um hálito de álcool. E ele insistia em me dizer que esse era o cheiro das coisas que não precisavam de razão.
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