15 de jul. de 2005

Algumas pessoas sobre a mesma história - I


Depois do passado, do presente e do futuro, quê mais será preciso para o tempo desistir de medir minha altura? Silêncio, temos visitas. Quem é? Esses. Ora, mas esses estão sempre por aqui. É verdade, mas somos educados, devemos compostura. Moramos num silêncio alugado, e esses visitantes-inquilinos são nossa cara taxa de condomínio. Se fosse mensal, e não diário, talvez não fosse tão angustiante. Um desses tem ciscos de lamúrias no canto dos olhos, seu falar, mesmo quieto, rebaixa o ânimo de todos. Já estou cansado de esperar a juventude, disse dessa sina. Nasceu com uma idade sem fome, permaneceu sem vento ou chuva, desde sempre existe num lugar que secou o tempo. Era vísivel como gostava de conversar comigo. Evitava, mas qualquer bobice que eu escorregava, tinha moradia em sua admiração. Fui salvo pelo canto desafinado da gordinha que fazia parte do grupelho. Era uma gordinha cantora e portuguesa, ou seja, das primeiras vezes, quase a pedi em casamento tamanha emoção, mas depois, cansava-me o vocabulário sempre refém da saudade. E ela percebeu meu desdém. Perguntou-me, como quem denunciava-me de insensível, se eu não sentia saudade. Não, eu sinto sede. A portuguesinha calou-se implorando piedade. Não faltei com a verdade. Se a senhoritinha começar a chorar aqui eu vou te por no olho da rua, recebi o aviso de despejo do tio Bambo. Fiquei triste com o risco de cegar ao relento a qualquer lágrima da gordinha de Lisboa. Calei-me. Queria voltar a lhe perguntar sobre minha altura. O porteiro me consolou com alguma piada. Não, não era piada de português. Mas pelo interfone não consegui entender a graça. Voltei e sentei ao lado do senhor sem idade. Você não sente falta de comemorar aniversário, perguntei, apenas para mudar o vazio da prosa. Vai ter torta de morango no meu enterro, respondeu, juntando alguma felicidade.

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