4 de jul. de 2005

As paredes conversam um teto

- Sabe qual é meu sonho?
Às vezes até me espanto com minha perspicácia: era evidente que eu devia me calar diante da pergunta, e, logo em seguida ao silêncio, como se tivesse rezando para algum Deus, mostrar-lhe na minha face toda minha fé pela resposta que estaria por vir.
- Eu queria saber sonhar sem cansaço.
Respondeu. E pronto, era isso. A literatura não mudou o mundo, o cinema não mudou o mundo, a arte não mudou o mundo, Deus não mudou o mundo, a esperança - ainda espera a mudança do mundo, ninguém mudou o mundo. Mas o homem mudou, eu me repti, perdi a roupa, o pudor, fiquei nu, estava tão consistente entre aquelas paredes, o pequeno era toda a humanidade que eu já tinha visto. Sua história não interessa, não vou passear pela sua biografia porque para isso o preço a se pagar é caro demais: deixar-se adentrar. Era tarde demais. Eu fui socorrido pelo eco do pequeno. Falei de mim. Contei que eu era gente mas um dia fiquei com preguiça e virei aquilo. O pequeno ria de minhas bobagens. Eu sou bom de bobagens. Eu poderia viver de bobagens. Há emprego para bobagista? Não há. Nem quero. Bastava-me aquele teatro lotado, o público em pé, tudo isso concentrado nos olhos e no sorriso do pequeno. Não me intimidei com a platéia e falei de muitas bobagens, principalmente as bobagens de Jequié, a capital das minhas bobagens. O pequeno virou um sorriso. Tentei procurar o amargo novamente para não me corromper. O chão estava arado, capinado. A terra estava macia. E então o pequeno veio. E pisou. E se sentiu feliz para contar.
- É que cansei. Eu sonhava antes, sabe? Mas cansava muito. Acordava e nem conseguia correr, nem fazer o dever, nem ajudar mãe. Todo suado, pai ainda brigava pelos panos que davam de molhar da água de meu corpo. Parei. Era muita coisa, tanta coisa, quase não cabia tudo no sonho.

A breve biografia do pequeno era minha obra completa.

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