1 de dez. de 2010

Jiraya

Eu nunca soube lidar direito com a admiração que meu avô depositava em mim. Não era uma coisa boba de avô. Ele enxergava o que eu podia ser. Eu tinha 7 anos e estava profundamente convencido que eu podia me tornar o discípulo de Jiraya na Bahia. Em Jequié, no sítio dele, um belo dia, peguei um facão e sai obstinado para provar todo meu talento. Decepei metade de uma plantação de mamona. Com golpes que dariam orgulho ao próprio Jiraya. A adrenalina tinha me embebedado e perdi a noção do estrago. O caseiro descobriu, me deu uma primeira e tímida bronca. Lembro de seguir numa fila de broncas. Ela foi aumentando. Minha avó balançava a cabeça e berrava de um jeito que enfim, eu percebi rapidamente a gravidade do que tinha feito.

Depois de todo aquele julgamento severo, minha respiração angustiada, me afastei e me encolhi. Alguns instantes depois, meu avô chegou perto de mim. E me olhou com aquele olhar impossível de descrever e me perguntou:

- Por quê você fez isso?
- Porque eu vou ser o jiraya - respondi.

E nesse momento, minha infância foi decepeada em duas metades. Antes e depois. Ele simplesmente respondeu:

- Mas você tem que ser Jiraya do portão pra fora. Aqui dentro você finge que é meu neto.

Eu vou passar o resto da minha vida tentando ser uma pessoa melhor por causa daquele olhar do meu avô. Mesmo ele não estando mais aqui, de corpo presente, minha memória está tatuada com aquele olhar. E lidando com essa angústia de ver o tempo passando e perceber que eu continuo distante da direção que aquele olhar apontava.

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