1 de fev. de 2011

O pai

Todo aniversário é um nascimento e um enterro. Alguém nasce, alguém morre. E esse alguém é um só. Hoje nasce meu pai, hoje morre um pai que já deixou de ser. Hoje renasce meu avô, hoje morre novamente meu avô. Estamos todos aqui, e em virtude da comemoração - e porque na minha memória afetiva eu mando em tudo - até o pai abriu exceção e está bebendo. Meu avô é uma veia que me liga até meu pai. O álcool é uma veia que me liga até a memória do meu avô. Não é bonito, apenas é. Aqui, embriagados, cantamos. É aniversário de nós mesmos. Lá fora, o tempo parece que é outro. Na minha casa, existe um canto que caberia meu pai. Perto dos livros, da janela, quando entra uma luz de lua pela madrugada. Existe um canto que caberia meu avô, já pela varanda improvisada, ali onde dá pra colocar o copo no batente. Todo lugar onde dá pra sentar e apoiar seu copo é um lugar sagrado. Eu sou esses dois. É o termômetro de mim. Se a casa tem espaço para os dois, então tem espaço para mim. Meu avô e a cerveja quente, eu e o whisky sem gelo, meu pai e a paternidade. Porque foi essa a sua embriaguez, suas ressacas, foi esse o único estado alterado de consciência que ele resolveu se permitir com alguma plenitude. Por não saber direito como ser pai, ele resolveu embriagar-se da paternidade. Foi por isso que chegamos até aqui. A gente não sabe. Está todo mundo aqui, sem saber. A gente bebe, sente, troca olhares, e repete o processo. Entender nunca fez parte. É dos poucos momentos em que nós três, tão racionais, nos permitimos não entender. É aniversário da parte de mim que mais progride, que mais vasto caminho tem a percorrer, e duvida de qualquer preguiça em ser. Meu pai. Nos juntamos, os três, pra conseguir carregar o nó desse vínculo. E somos todos, o pai. Mas hoje, só um deles estreia nova idade. 

Saravá!


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