19 de mar. de 2005

Cartas - Diálogos sem travessão I

"La realidad es un sentimiento."
Adolfo Navas

Você acredita? Não me corrompa. Responda como quem vive. Desconfio. Me incomoda ser assim tão...você. Explique-se. Você vai mesmo traçar esse diálogo em linha reta? Correndo o risco de perder o elo e a fala de quem é quem? Sim. Me perco. Os travessões não irão legitimar nada. Estou aqui numa madrugada estranha, tudo que não for igualmente estranho irá me parecer outro dia. Não quero outro dia, não agora, nesse instante, pego os minutos com força, quero mantér-me ereto, sereno, apaixonado, encantado, sonhando, brincando de dar palavras para seu sorriso. Não exagere. Sim, mas também não posso negar-lhe. Provenho de um mundo seco, em que cada dose de umidez é venerada com fervor. Você veio de mundo diametralmente oposto, vem de lá, do Sul, do vinho, do frio, sabes o que é um chão navalhado pelo sol? Sou fragmentado. Minha vida é fragmentada, meus desejos são fragmentados, meu amor é fragmentado, minha morte também será, e está sendo, fragmentada. O segredo? A costura. Não, não falo do velho clichê da colcha de retalhos. Mesmo não tendo nada contra o clichê - essa fonte que não seca. Não vá além, preciso ser capaz de pelo menos ter sua sombra. Minha sombra? Sim. Você amaria minha sombra? Não. Pausa. Ela esperava outra resposta. Ele esperava outra resposta. O mundo esperava outras perguntas. Não vê que o amor é o equívoco também? É falho, tem rugas, defeitos, marcas, sinais. Não fale de sentimentos que ainda não sabemos entre nós. Sim, é verdade. E do que você quer que eu fale? O que posso falar? Não tenho como me apropriar de nenhum sentimento pois não sei nada entre nós. É o brilho dos meus olhos a cada frase sua digitada? É a capacidade que você tem de exalar o calor do teu sangue mesmo através dessa máquina fria? Quero lhe batizar em minha vida. Não sou católico. Nem ateu. Fui abençoado por pai-de-santo, pintado em aldeia pataxó, sou isso. Não fuja do assunto, retorne ao meu ego, preciso da minha auto-estima. Seremos isso? Momento da realidade, agora? Não, falo de verdade. Seremos isso? Uma possibilidade de reestruturar a auto-estima um do outro, com elogios, com a imaginação de sentimentos com as metáforas das sensações e a subjetividade do desejo? Não posso lhe responder. Não sabemos responder. Se tivessemos respostas, ou parariamos aqui agora, ou largariamos os compromissos imediatos e nos endividiariamos, nesse exato momento, para uma viagem para a metade do caminho. Ou talvez apenas seremos capazes de lidar com esse ímpeto até o dia que vier ao Brasil, nos encontraremos talvez já sem tanto entusiasmo - cada um jogando no outro a culpa por não ter sido louco suficiente para cometer a paixão em golpes demorados e deliciosos com suaves mordidas, beijos coloridos e intermináveis. Ou talvez não, isso tudo realmente seja único, e, não importa quando, mas, iremos nos encontrar. E não importa onde, mas iremos nos abraçar. Não importa como, mas de alguma maneira iremos nos amar. A arte da suposição pressupõe certa ciência: a matemática das probabilidades. Relevo. Ao contrário do que diz a física, no escuro eu também consigo enxergar cores. Enxerguei você. E não é escuridão esse intermédio? Essa internet, esse orkut, esses e-mails, não estamos pintando com cores num meio escuro - que de tantos pixels e células luminosas, do excesso de luz, provoca certa escuridão em seus emissores-receptores rádio AM/FM música romântica numa madrugada paulistana, sim, é Roberto Carlos, o que esperar essa hora na rádio? "Cada minuto é muito tempo sem você, sem você/Os segundos vão passando lentamente, não tem hora pra chegar/ Até quando te querendo, te amando, coração que te encontrar / Então, vem que nos seus braços esse amor é uma canção".

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