27 de mar. de 2005

Estilhaços de Montreal


O chão molhado escorregou minha queda. Dos cinco dedos, houve um que me traiu. Na mão, é preciso maioria absoluta quando se quer agarrar qualquer coisa. Levantei apagando arranhões. O olhar dos outros sobre meu sangue fez minha ferida. Só doeu quando ela me pediu perdão. Era uma sexta de muito frio e bastante silêncio. Entrei correndo na pequena casa no centre-ville, onde a janela aberta era um quadro com pássaros vermelhos. Parou de falar sozinha pois estava começando a discordar demais, de si mesma. Fazia tanto frio que parei de sentir. No inverno, toda casa é um pouco sua, um sorriso anônimo no metrô é uma lareira, o primeiro abraço num desconhecido já é excesso de intimidade. Ela falava um francês ardido. O roteiro previa uma comédia de erros, um pastelão de imigrante perdido, até encontrá-la disposta a rabiscar de improviso. Lembro que só percebi que o quadro com pássaros vermelhos não era sua janela aberta, quando encostamos na parede e ele balançou, balançou, até cair. Ainda esbocei uma pausa para consertar. Ela segurou firme. Mais um fiapo de francês ardido. Disse que preferia a janela fechada.Minha melhor lembrança daquele inverno, foi verão.

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