30 de mai. de 2007

bilhete para nenhum de nós

Como é confortante saber que morrerei antes de minha mãe.

Nunca disse isso, e se ela me ouvir, desminto. A pior desgraça é um filho que parte. Desgraça maior ainda é um filho partido: a metade egoísta não cabe num mundo sem ela, a outra metade sensível precisa concentrar-se na perda como refúgio de não pertencer. Não há pertencimento pra mim num mundo sem sua presença. Ainda que esteja com o corpo respirante, repito: estarei morto. E guardo esse conforto, de morrer antes de minha mãe.

Como é frio esse lugar onde a solidão sobe o morro. Morro só.

A você que me encontrará: saiba que fui sempre muito íntegro a minha desgraça. Sou fiel ao que me dói. A você que passará por cima: não olhe pra trás, porque sempre permanecerei lá. Contamino o outro com arrependimentos. A você que nunca me verá: ao menos, você me leu. Talvez você saiba mais do que o meu olhar poderia dizer. Dissimulado, sou sempre uma companhia insuportável ao que reconheço.

Como é doloroso esse orgasmo que o amor me corta.

Quando sinto que a vida poderia se acabar ali, naquele exato instante: é onde retorno a vida. No encaixe de prazer sofrível, escalar seu corpo iluminado de sombras lindas culmina sempre em uma outra vida: não vida nova, mas vida que acaba de deixar pra trás mais uma morte. A felicidade não sabe falar minha língua. No silêncio das tuas pernas, nos compreendemos.

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