Todo ônibus mente a rota. Sempre temi isso, sempre desconfiei, sempre guardei esse incômodo de descer do ônibus em deslugares, em desmundos. Hoje, o sorriso do cobrador foi o ingresso dessa viagem sem volta. No inverno, o sorriso de um cobrador numa madrugada é como uma estrela cadente: precisa-se fazer um pedido. Os olhos atentos, o espetáculo das mesmices, das rotinas, dos cotidianos. Tanta vida ajoelhada, as pernas já nem sabem o que tem pra andar, pra correr. Uma senhora gorda reclama com a jovem de piercing. "Eu gosto de cinema, mas vou menos do que gostaria". Vive-se menos do que gostaria. O casal atrás me reconhece. Não entendo onde começa um e onde termina o outro. Do lado do casal, um zelador do edíficio Maison de Toulouse, segue pensativo, introspectivo, com olhos perdidos nas cores da rua. Pensei que a gorda poderia reclamar menos, e fazer companhia, ainda que no silêncio, ao zelador. Um zelador de prédio com nome francês deve ser, no mínimo, alguém interessante. O casal sente tanta fome e tanta sede um do outro, que nada é o bastante, tudo ainda é pouco, devoram-se quase sem piedade de sobreviver-se a dois. Voltei pensando nesses personagens, nesses caminhos, no tropeço da jovem ao descer do ônibus.
Nós somos tão imprecisos, talvez por isso não sabemos precisar. Eu não sei precisar. Mas eu preciso, de você. O que não sei tem mais eu do que o resto.
Nós somos tão imprecisos, talvez por isso não sabemos precisar. Eu não sei precisar. Mas eu preciso, de você. O que não sei tem mais eu do que o resto.
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