16 de mai. de 2007

em busca de uma procura

Histórias de abandono tocam nossos próprios abandonos. Uma pessoa sem lugar no mundo acaba ocupando nossos lugares vazios - sombras e questionamentos que tanto nos desabitam. Eu falo de uma menina de sorriso de reinvenção, do sorriso enquanto vocábulo-ponte para ligá-la ao mundo desses, cheios de olhos carentes por saber que rumo ela teria tomado. Finalizo nesses instantes o material que testemunha a confecção desse filme, dessa procura por Janaína. No meio de tantas pessoas, a que menos sabe dessa história, é a própria Janaína. Porque saber é um recurso que jamais lhe abrigou, nunca teve serventia: janaína é pura criação, numa sucessão de abandonos, ela inventou um mundo em seu próprio corpo. Com uma dignidade absurda sua morada em si mesma foi tão profunda que ninguém conseguiu sair ileso de janaína: dos ambientes repletos de crianças carentes, ela rejeitava o colo, ela tinha olhar de atravessamento, ela construiu-se na falta de lugar que tinha recebido. Assistentes sociais, psicólogas, médicos, ela não deixou ninguém ileso. Cerca de vinte anos depois, a memória ainda viva, sabia-se os trejeitos, lembravam-se das canções que ela gostava, veja que espanto: janaína foi mais importante para todas essas pessoas que tiveram contato com ela, do que pra ela mesma. Compartilhei os olhares, fiquei bravo, emocionado, indignado e encantado. Só há esse jeito em mim: ser. Janaína me ensinou a generosidade em seu estado límpido. Lembro da minha chateação quando uma assistente reencontra janaína após duas décadas e com pouco cuidado nem cria terreno algum, já vai dispondo dos elementos da sua memória para tentar estabelecer vínculo imediato com janaína, na afobação, antes do "oi, janaína", ela começou a cantar precipitadamente uma canção da infância que ela tanto gostava. E Janaína me mostrou minha incompreensão. Foi generosa, mostrou como tudo aquilo foi o transbordar do contentamento - para aquela mulher, encontrar janaína era se reencontrar. E é um desconcerto completo essa situação. Tanto que é o abraço delas duas a maior plenitude dessas imagens. Foi quando Janaína se permitiu sair de sua morada e concedeu a "assistente" Maiana um punhado precioso de afeto. Agora, chego a lembrar com doçura da voz rouca da Maiana cantarolando infâncias tardias.
A diretora desse invento, a Miriam, foi minha segunda grande descoberta. Ela foi me concedendo olhar, aos poucos, balançava a cabeça sutilmente, como que esboçando caminhos, e residia sua potência no orquestrar todos esses processos - a finalização do filme em si, do making of - com sua "vida dupla" de psicanalista e documentarista. Dupla aos olhares formais. Pra mim, vida plena, uma história que alimenta e esfomeia a outra. Seus comentários sabiam sempre muito bem onde não gostaria de chegar, concedendo-me assim todo o território das possíveis chegadas.
Não sei bem onde cheguei, sintomático, dentro de uma história repleta de tão pouco pertencimento. Desconheço essa vizinhança que acabo de adentrar, mas reconheço que, onde quer que seja, eu cheguei aqui diferente. Eu também não sai ileso de Janaína.

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