Mia Couto, na voz do Avô Mariano.
Ele está deitado no chão da sala. No primeiro olhar, uma sala vazia. No verdadeiro olhar, quase não há espaço para nada que não seja delicadeza. Está deitado com um pouco de suor, acabara de dançar horas, sozinho, naquela sala cheia. Uma habilidade inusitada criava coreografias que desvencilhavam-se de todos os móveis que ainda não existiam ali. Casa nova não é nova vida. É nova possibilidade de se habitar. Nova tentativa de morar-se. O corpo não sai ileso, cada mudança são todas as mudanças já feitas. Ao carregar a caixa, não era somente os últimos livros da Clarice, ou ainda os não-lidos livros do Borges. Estão ali também todas as pipas que nunca conseguiram voar no Imbuí, a escopeta que defendeu com muita firmeza a infância em Camaçari, o computador compaq quebrado, as fardas do montessori, do drummond, do portinari - todas rabiscadas com bravatas afetuosas da adolescência, o cd verde do legião e o disco dos trapalhões, entre outras tantas coisas. Maior do que o receio de adaptação ao novo espaço geográfico, é a insegurança do jovem apartamento de dois quartos: em que lugar ele irá me habitar? E, ansiedade própria das jovens construções, terei meu próprio quarto na sua memória?
Ele olha para o teto, onde um lustre antigo e cerimonioso oferta um pouco de luz. Nunca a sensação da moradia tinha feito tanto sentido. Não ter teto é deixar sua identidade vulnerável, por isso tão poucos conseguem resisti-la nas ruas. Quando um homem imprime sua batalha pelo direito da moradia, não são as paredes o principal. Ter uma casa é poder se habitar com plenitude.
Ele levanta, já descansado, e retoma a dança. Do quarto, vem a música. É Bethânia, cantando as palavras de Hilda, assim:
A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência
E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.
A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?
Ele levanta, já descansado, e retoma a dança. Do quarto, vem a música. É Bethânia, cantando as palavras de Hilda, assim:
A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência
E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.
A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?
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