A Pedra do Reino é um vigoroso mergulho audiovisual: algo que transcende qualquer mídia, seja tv, seja cinema - aqui chegou como dvd. É cuspe de cores sertanejas, sussurro ousado em pleno reino das palavras, artesanato de idéias visuais, epopéia para um futuro arcaico do folclore nordestino, renascimento riscando de luz a irreverência fundamental da identidade brasileira: somos palhaços e reis. Não acompanhei pela tv, nem mesmo suas repercussões na mídia na epóca, mas é óbvio o seu "fracasso" diante do ibope. E não acredito que Luiz Fernando Carvalho tenha passado desapercebido por esse risco. Suassuna, na contracapa do dvd, diz que "se o sucesso não for igual ao seu êxito (do romance), isto somente se deverá ao fato de que a obra de Luiz Fernando Carvalho esta a frente do nosso tempo - por sua ousadia, por sua coragem (...)".
Não gosto muito dessa expressão "a frente do seu tempo". Mas entendo que determinados movimentos - nas ciências, nas artes, nas filosofias - tenha um tempo de digestão e maturação que irrompe o tempo cronológico. O fato é que, a mim desinteressa uma análise da obra enquanto produto televisivo. Numa chicotada única, me embriaguei dessas 4h36min da mais pura cachaça audiovisual brasileira: uma epifania de simbolismos, apontamentos certeiros sobre um nordeste rico de imagens, de idéias, de palavras, de cores, de crenças, e rico das misturas de todos esses elementos anteriores. Suassuna, com todas as ressalvas que alguém possa ter com ele, emplacou em seu romance a pedra fundamental de um sertão majestoso, um caldeirão cultural que vai de negros, índios, portugueses, mouros, entre outros. Luis Fernando Carvalho trouxe a verve de sua experiência em Lavoura arcaica (também chamado de hermético e incompreensível por alguns críticos), alimentou-se dos anseios grandiosos, de uma ópera nordestina de Glauber Rocha, respirou como de costume a verve literária de Suassuna, degluitiu uma farta iconografia de simbolismos e folclores do sertão, digeriu e inventou A Pedra do Reino. É um projeto sem cabimento. Um tormento. Há quatro dias sonho que sou amigo de Quaderna, e participo firmemente da Academia dos Emparedados do Sertão da Paraíba.
Um carnaval de sentidos e sensações. E dar vazão ao que há de palhaço e ao que há de majestoso, em cada um de nós.
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