16 de mar. de 2009

Adelmenito

Adelmenito sabe quando não sabe das coisas. E se você permitir pensar bem sobre, vai ver formosura nisso. Cresceu assim, de menino que vai ser para jovem olha como tá sendo. O futuro ainda não tinha alinhado, porque o futuro que a gente espera não dá carona. Futuro não é trêm que se espere, dizia o povo de Jabaquara. Antes as coisas sabidas do povo de Jabaquara ou Amargosa eram sempre dadas de abobinhagem. Até que Adelmenito chegou na cidade trazendo de inteligência as prosas das outras cidades. Não que ele tivesse nascido por aí, mas ele era bom de ouvir. Quem sabe quando não sabe costuma ser bom ouvidor. Era assim, aprumando as pensatas nos bolsos, que ele chegou na hospedagem de quem é de faculdade. Esse povo da faculdade é sempre vindo de outros cantos. Até acharam bom quando subiu a tijolada, mas hoje já ouve-se o lamurinho de pé-de-praça: pra quê se as sabedorias não ficam na cidade? Vem de fora, fica um tempinho, e vai-se embora assim que pega o papelete. Numa dessas lamurinhêras, um tonto deu grandeza para uma tolice contra a faculdade. Foi um rebuliço. O tonto colocou sangue nos olhos daquele povo, arrepiado das entranhas, fizeram chame-chame, sanguizêra, bacurinhação e pedregulhada. Pela desgraça dos azares, a falta de sorte tropeçou Adelmenito, justo o do não-saber. Se eu tivesse só dois olhos, falaria o que tinha acontecido. Mas como vem outras coisas no corpo da gente, bagunçando o coreto das sensações, não sei para onde foi. Tinha aquele cheiro de dor com sangue esmagado. Aquela dor que não é justa, que não tem pertencimento, que nasce sempre de alguma desgraça órfã, pedindo esmola nas ladeiras do peito. Tinha tudo pra ser, falou um remelento arrependido. Fazer uma multidão endoidar demora pouco - vai tudo de uma só vez. Agora desendoidar apega-se mais tempo: vai assim, um em um, na preguiça da razão.

Esse negócio me agonia até hoje, mas de tanto, que eu chego até achar o nome de Adelmenito bonito. Com a cabeça eu sei que é uma tristeza de nome. Mas trás uma danada de uma memória bonita que não tem como batizar outra beleza. Já nos finalmente, respirando com a dificuldade que presentearam, cheguei junto só pra conseguir um suspiro dele pra guardar comigo. Nem sabia o que dizer. Ele percebeu e se reconheceu de mim, achando formosura meu não saber. Tem coisa que nasce pra gente não saber, lembro dele dizendo. Depois de umas olhadas perdidas, uma coisa de dizer encontrou minha boca, quase nem passou pela cabeça. Não sei porquê mas perguntei se ele estava com raiva. Com raiva daquele povo. Do tonto. Da cidade. Da maluquice quando ganha muita gente. Nunca vi Adelmenito de raiva. Queria saber dele agora.

A dificuldade de respirar subiu pra fala, mas ainda assim ele me disse assim. Até poderia sentir raiva. Mas se é pra ser o último gosto que carrego, quero não. Prefiro lembrar de outras coisas pra botar na mala dos sentimentos.

Adelmenito vai continuar sendo, mesmo depois de morto. Mais uma coisa que ele não vai saber.

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