2 de mar. de 2009

Porteiro

Mais uma. O jovem homem pequeno não esperava mais por aquele olhar do porteiro, fazia tempo o receio de qualquer brincadeirinha machista tinha dado lugar a uma estranha cumplicidade. Naqueles ultimos meses abarrotados de um calor que desejava a cidade, muitas histórias passaram por aquela portaria, acompanhando o jovem homem pequeno. As vezes recebia no inusitado da noite, e o interfone tocava para avisar. Ali mais uma oportunidade para qualquer deboche. Mais uma, hein? Não. Aliás, mais cúmplice do que sua voz no interfone, era o olhar do porteiro quando calhava do jovem homem pequeno subir de mãos dadas, sempre desengonçado, sempre tentando esconder de si seu desconforto com aquela situação. Definitivamente não se tratava de nenhum cafajeste ou coisa que o valha. Mas era fato que os meses quentes trouxeram esses desejos transitórios e de cpfs variados. O porteiro talvez tenha sido o primeiro a perceber a situação que estava a se desenrrolar. Ele ausentou-se do cômodo lugar de porteiro - que de todos sabe um pouco - e passou a habitar um privilegiado local de compaixão, algo de um exercício profundamente inovador na sua trajetória de nordestino migrante. E não há de esperar qualquer tipo de confraria de "vindos do norte", pois se fosse gaúcho, possivelmente o mesmo aconteceria na relação com aquele jovem homem pequeno. Era baiano, sim, o pequeno homem. E seu sotaque molenga poderia até ser compreendido como elemento do seu qualquer sucesso provisório com aquelas histórias cheias de cabelos longos. Mas o porteiro percebeu então que ali se tratava de um homem atormentado, de um desespero que não condizia com sua pequenez. O desespero de quem tropeça ao carregar o próprio corpo - triste passava pela portaria sabendo que aquela história, ainda que tivesse abdicado do sapato de salto alto, não iria sobreviver a três ou quatro subidas e descidas de elevador. Certa feita, com a desculpa da falta de luz, até subiu de escada, e é provado uma certa esperança que lhe acometeu: uma espécie de saúde, um exercício físico que pudesse fortalecer a possibilidade daquele amor. Bobagem.
Quando chega desacompanhado, o porteiro olha e compartilha um leve suspiro. Um homem quando reconhece-se na dor do outro, parece doer um pouco menos.

Talvez seja isso. Mais uma. Pensou por dentro. O jovem homem pequeno passou a ser seu próprio porteiro, dando vazão ao deboche como a mais cruel auto-crítica. Nessa portaria de tormento e desilusão, dificilmente passa-se ileso. O elevador nunca perdoa. Menos uma.

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